Na infância, eu passava os fins de semana na casa de minha bisavó, q na verdade era mãe de minha avó-postiça, q na verdade era minha mãe. A casa era uma bela construção de alpendre lateral numa linda e arborizada rua da Tijuca. Lá funcionava uma pensão de senhoras. Por horas e horas, ouvia as histórias delas, histórias de casamentos, de viagens, de filhos, de vida. Me acostumei a conversar com as velhas. Na verdade eu adorava, mesmo achando q podia estar perdendo algum programa melhor.
Minha bisavó, a quem eu chamava “Vovó Rutinha”, era cega, e aos noventa e tantos anos, inteiramente lúcida. Vaidosíssima. Recebia em casa a modista, para encomendar vestidos, o joalheiro (ainda guardo uma pulseira de lembrança)...era um tempo diferente, em q se ia ao aviário comprar galinha viva para o almoço...Era, na realidade, o fim desse tempo das quitandas e o início da era dos supermercados.
D.Ruth (era chamada assim pelos hóspedes) também gostava muito de cantar e recitar poesias, e de vez em quando convidava amigos de sua geração para uma reunião. Me lembro como se fosse hoje. Quem ligava era Renée, minha vó-mãe, falando: “Domingo nós vamos fazer uma hora de arte lá em casa, e mamãe gostaria muito q vcs viessem.”
Eu sabia o q era uma Hora de Arte; era meio chato. Ficavam declamando poesias de Casimiro de Abreu, Olavo Bilac etc, meu avô, sempre muito exibido (a quem será q puxei??), gastava seu latim e seu italiano com Virgílio e Dante. Depois vinha Camões, Castro Alves e, no final, algumas músicas de Carmem Miranda, Noel Rosa, Lamartine etc. Outra coisa q sempre acontecia era o momento “vamos exibir minha neta (= eu). Ela fala inglês, canta, dança, e já sabe até recitar a Entrada do Inferno" !!!!!
Hoje eu conto a vida em forma de canções, mas acho q no fundo, no fundo, alguma coisa naquelas tardes me prendia e me fascinava. Mais q Camões, Castro Alves, era uma expressão especial de se falar e ouvir...Hora de Arte!